Introdução
Entre as doutrinas promovidas pelas Testemunhas de Jeová, uma das mais peculiares é a chamada “nova luz”. Essa expressão refere-se à ideia de que o entendimento da organização sobre certos ensinos pode mudar/melhorar com o tempo, alegadamente como parte de um processo de orientação progressiva por parte de Deus. Segundo essa doutrina, quando a liderança revisa um ensino anterior, não se trata de um erro humano, mas de uma atualização divina — uma revelação mais clara da vontade de Deus.
Para quem não está familiarizado, isso pode soar razoável, já que a compreensão humana sobre as Escrituras pode de fato amadurecer. No entanto, o problema reside na maneira como a “nova luz” é usada para blindar a organização contra qualquer responsabilização por erros passados. Erros graves, inclusive previsões falhas ou ensinos doutrinários equivocados, não são admitidos como falhas humanas, mas reformulados como etapas legítimas de um suposto processo divino.
Este artigo examina criticamente essa lógica, suas implicações e o profundo impacto que ela tem na busca sincera pela verdade.
Um Ciclo de Autovalidação
Um dos aspectos mais problemáticos da doutrina da “nova luz” é como ela inverte a própria lógica pela qual a verdade normalmente é testada. Em um raciocínio saudável, uma afirmação é avaliada por sua capacidade de resistir ao escrutínio — se ela se mostra precisa ou não.
Mas no sistema da Torre de Vigia e da liderança das Testemunhas de Jeová, tanto o sucesso quanto o fracasso são interpretados como confirmação da orientação divina. Se uma profecia ou interpretação se mostra correta, é citada como evidência do favor de Deus. Se ela se mostra errada, o erro é reformulado como parte de um processo de aprendizado dirigido por Deus — um “sinal de humildade”, “crescimento” ou “refinamento”. De qualquer forma, a organização está sempre certa.
Isso cria um ciclo fechado de autovalidação. Estabelece-se um teste teológico que, por essência, só pode produzir um resultado: a confirmação. Os fatos não são mais observados para determinar a verdade; são reinterpretados para se alinharem a uma conclusão já decidida — de que a organização é infalivelmente guiada por Deus. É como jogar uma moeda e declarar vitória ao dar cara, enquanto redefine coroa como “uma forma superior de cara”. Em tal estrutura, a evidência perde todo o significado. Não há possibilidade de falsificação — e, portanto, nenhuma responsabilidade real.
O Uso Indevido de Provérbios 4:18
O mais impressionante é
que toda essa lógica autosselante é frequentemente justificada por um único
versículo — Provérbios 4:18 — que afirma que o caminho dos justos se torna mais
brilhante com o tempo. Contudo, esse versículo não menciona previsões fracassadas,
nem implica que erros institucionais devam ser vistos como marcos de um
progresso divinamente dirigido. Transformar doutrinas equivocadas em evidências do favor de Deus é subverter
completamente o propósito da busca pela verdade.
A Diferença Entre Erro Humano e Atribuição Divina
É importante reconhecer que ninguém possui conhecimento perfeito de imediato. O entendimento da Bíblia é um processo de crescimento, e é natural que, no percurso, equívocos aconteçam. Assim como um estudante dedicado pode, no início, interpretar mal conceitos complexos, aqueles que buscam entender a Palavra de Deus também estão sujeitos a erros. Isso é normal e compreensível. Entretanto, o verdadeiro problema surge quando os erros são sistematicamente atribuídos a Deus. Pior ainda, quando aqueles que se autointitulam “o canal de comunicação de Deus” exigem obediência inquestionável com base nessa alegação — mesmo quando seus ensinamentos são posteriormente desmentidos.
Imagine um guia de
montanha que afirma ter um mapa confiável fornecido por especialistas e exige
que todos sigam cegamente suas instruções. No entanto, ele constantemente leva
o grupo por trilhas erradas, resultando em atrasos e perigos. Quando
confrontado, o guia insiste que as rotas erradas também faziam parte do “plano da
maior” do mapa, a fim de fortalecer o grupo. Ele nunca assume total
responsabilidade pelo erro de interpretação do mapa — em vez disso, exige que
todos continuem obedecendo sem questionamentos, mesmo após sucessivos erros.
Naturalmente, a confiança no guia seria inevitavelmente abalada. Da mesma
forma, ao atribuir seus próprios erros a Deus, a liderança espiritual mina a
confiança dos seus seguidores e profana o nome daquele que dizem representar.
A Conclusão Inescapável
Levemos essa lógica à sua conclusão inevitável: se a “nova luz” é realmente uma revelação de Deus e, mais tarde, se mostra errada, isso implicaria, no fim das contas, que Deus revelou algo falso. Que Ele deliberadamente teria conduzido Seu povo ao erro, apenas para depois corrigir o rumo. Essa ideia, no entanto, é profundamente contraditória com o caráter do Deus das Escrituras, “o qual não muda como sombras inconstantes”. (Tiago 1:17)
E essa é a parte mais chocante: em vez de assumir a responsabilidade por seus próprios erros, a organização transfere o peso da falha para Jeová. Ela transforma equívocos humanos em atos de instrução sagrada, mudanças administrativas em revelações, e contradições doutrinárias em provas de fidelidade. É o narcisismo espiritual elevado ao máximo: somos tão especiais que, mesmo quando estamos errados, não somos nós que falhamos — foi Deus quem quis assim.
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