Eu fui membro da Sociedade Torre de Vigia por décadas, e conheço muito bem a terminologia usada pelos membros dessa organização. Conheço ainda melhor os conceitos que as pessoas têm sobre vários assuntos, as diferenças de opiniões entre indivíduos e grupos sociais – algo absolutamente normal em qualquer ambiente.
O que posso afirmar é que, após tantos anos como membro dessa organização, consegui identificar 5 níveis de conceitos que as Testemunhas de Jeová possuem em vários assuntos. Estes níveis são:
1. A organização proíbe absolutamente;
2. A organização proíbe, mas não absolutamente;
3. A organização é contra, mas não há punição;
4. É uma questão de decisão pessoal;
5. É permitido;
A seguir dissertarei sobre cada um desses pontos e mostrarei qual é de fato o conceito da liderança das Testemunhas de Jeová (TJs) sobre vários assuntos.
1.
A organização proíbe absolutamente: Quando
se fala em “proibir algo” muitos podem ter conceitos variados e poderão pensar
em níveis variados de proibição. Por isso que uso o termo “absolutamente” para
qualificar o ato de proibir uma ação específica. Visto que conheci a
organização das TJs pessoalmente durante décadas, posso afirmar pela minha
experiência pessoal que a organização “proíbe absolutamente” que um membro faça
algo quando a prática de tal ação resulta em desassociação ou remoção da pessoa
da organização. Algumas das práticas absolutamente proibidas pela liderança das
TJs são: adultério, fornicação, homossexualismo; embriaguez, tabagismo[i]
e uso de drogas ilícitas; celebração de Natal, aniversários, Páscoa moderna e
Halloween; empregos que promovam a religião falsa, trabalhar em uma casa de
jogos de azar; falar contra o Corpo Governante (CG) ou contra anciãos em altos
cargos (mesmo que com provas e por justa causa) e falar com desassociados ou
debater com apóstatas na internet; dentre outros pontos no mesmo nível. Isso tudo resulta em comissão judicativa e é passível de desassociação.
2. A organização proíbe, mas não absolutamente: Esse tipo de proibição é para as ações que, caso a pessoa as pratique, não será removida da congregação, isto é, não será desassociada; mas perderá o cargo de ancião, servo ministerial, pioneiro, ou demais cargos que talvez tenha; a pessoa também será vista como “repreensível” ou até mesmo rebelde. Alguns exemplos dessas ações são: até o ano de 2024 deixar a barba crescer era visto um tipo de proibição não absoluta; fazer vídeos apologéticos, sem a autorização da organização, tais como fazem os canais “Publicador do Reino”, “Rochedos Escondidos”, e como eu mesmo fazia no “A Verdade é Lógica” e no “Resistência TJ”, e como continuo fazendo no canal “O Apologista da Verdade”; ter páginas ou sites para defender a organização ou mesmo a própria fé, tais como o próprio site “O Apologista da Verdade”, “Tradução do Novo Mundo Defendida”; ter um emprego que muitos na congregação talvez julguem como impróprio, tal como policial federal ou civil;[ii] fazer post sobre política nas redes sociais ou votar nas eleições; dentre outros.
Há casos de irmãos que foram removidos dos seus cargos por terem feito vídeos apologéticos e os colocado na internet. Veja o caso do irmão “PC”. Ele fez vários vídeos falando sobre Jeová e Jesus, sobre a alma e outros assuntos – vídeos grandemente instrutivos que se harmonizavam tanto com a Bíblia quanto com o ensino da liderança das Testemunhas de Jeová. Mas veio de Betel[iii], por meio do superintendente viajante, uma ordem para que o irmão PC deletasse os vídeos e parasse de fazer vídeos. Se ele não parasse, seria removido do cargo de ancião. Ele parou e manteve o cargo de ancião. Todavia, ele contava experiências por Whatsapp – experiências edificantes, diga-se de passagem – e alguns irmãos postaram tais experiências no YouTube. Com base nisso, Betel removeu o irmão PC de seu cargo de ancião, punindo-o por uma boa obra.
O caso do irmão PC é só um, há mais casos. Com o
irmão Ronaldo Canedo a questão foi mais séria. Conforme todos os leitores deste
blog já sabem, Ronaldo Canedo foi anunciado como “dissociado” após fazer
vídeos na internet, conforme ele mesmo conta. Não há como negar que há relação
entre os vídeos do Ronaldo Canedo e sua falsa “dissociação”. Alguns talvez argumentem
que o caso do Ronaldo Canedo foi uma exceção, uma falha humana. De fato, não há
orientação para desassociar pessoas que fazem vídeos na internet. Contudo, há
orientação para que não se faça vídeos pela internet, e o Ronaldo Canedo,
assim como o Publicador do Reino e outros, desconsideraram tais orientações
porque decidiram acreditar que não há proibição. Certamente, fazer vídeos na internet não é uma proibição absoluta que resulta em desassociação, mas é uma proibição não absoluta que resulta na perda dos privilégios. Caso o canal Publicador do Reino não acredite em mim, eu o desafio a contar aos anciãos de sua congregação que ele debate com “apóstatas” na internet e que também faz vídeos apologéticos, indo contra a orientação do Corpo Governante. Garanto a todos que, a menos que os anciãos da congregação dele discordem do Corpo Governante, o Publicador do Reino inevitavelmente enfrentará uma comissão judicativa e será desassociado por “debater com apóstatas”. Deixo claro que eu mesmo não concordo com essa proibição do Corpo Governante, e por discordar disso eu mesmo sempre fiz vídeos, muitas vezes enganando a mim mesmo por querer achar que “o Corpo Governante não proíbe, apenas desincentiva”. Portanto, eu sei exatamente o que o Publicador do Reino está fazendo, pois eu mesmo já me enganei com o mesmo raciocínio.
3.
A organização é contra, mas não há punição: Este
tipo de conceito se relaciona com ações em relação às quais a organização fala
pejorativamente e faz as TJs pensarem de forma negativa sobre o assunto, mas caso
alguém decida fazer isso, não será necessariamente punido em sentido
congregacional, mas será malvisto por muitos e, dependendo de quão “linha-dura”
forem os anciãos, poderá haver represália, mas não desassociação. Isso é
semelhante à quando numa empresa dois empregados assumem um relacionamento
sério – neste caso, algumas empresas talvez não demitam os funcionários, mas é
malvisto pela gerência da empresa. O clássico exemplo disso na organização das
TJs é o ensino superior. O Corpo Governante das TJs ensina que o fim está
próximo e que a carreira na organização é a melhor de todas. Assim, a liderança
ensina também que cursar o ensino superior é “falta de fé em Jeová como provisor”,
é ser “materialista” (amar o dinheiro); é buscar uma “carreira no mundo de Satanás”;
é “expor-se a um ambiente perigoso demais para um cristão”, é comparável a ver pornografia e cometer fornicação (link) e é o contrário de “servir
a Jeová”. Evidentemente todas essas opiniões mostram que o Corpo Governante é contra que uma TJ busque o ensino superior. Ainda
assim, não há punição organizacional por isso, pelo menos não em todos
os casos. Há casos em que anciãos foram de fato removidos porque estavam
cursando faculdade ou porque já tinham cursado. Eu fui informado de um ancião que foi
removido do cargo porque ele tinha cursado pós-graduação enquanto
era ancião e o superintendente descobriu isso algum tempo depois. É por causa disso que há um grandioso número de anciãos que fazem faculdade escondidos dos outros anciãos. Em uma congregação a qual eu pertencia, 3 anciãos faziam faculdade escondidos, e nenhum deles contava isso porque tinham medo de serem removidos dos cargos. Entretanto, isso
não é regra para todos os casos. Seja como for, podemos afirmar que o Corpo
Governante é contra o ensino superior, mas não há, como regra em
todos os casos, punição organizacional por descumprir os desejos do Corpo Governante.
4. Questão de decisão pessoal: Esse conceito abrange ações para as quais o Corpo Governante sai de jogo e diz que caberá a cada um decidir o que fazer, não há punição nem opinião oficial da liderança sobre o assunto. Até algum tempo atrás, dizer um mero “olá” ou “bom dia” a um desassociado era visto como proibição absoluta, mas agora é visto como questão de decisão pessoal. Alguns exemplos desse conceito são: comer bolo de aniversário; aceitar presente de Páscoa, Natal ou outras datas comemorativas; usar maquiagem ou fazer uso moderado de bebidas alcoólicas; ter armas de fogo para caçar animais para consumo (em algumas regiões dos Estados Unidos isso é bastante comum); fazer uso medicinal de frações de sangue, como a albumina ou outras frações. Nesses assuntos e em outros similares, o Corpo Governante entende que algumas pessoas talvez não gostem disso, mas a liderança da organização se recusa a criar mais regras sobre essas situações ou mesmo a opinar sobre isso.
5.
É permitido: De
todos os pontos, este é o que menos precisa de explicação. Este conceito se
refere a todas as ações que todas as TJs podem fazer livremente e que não há
nem ao menos divisões de opiniões sobre o assunto. Até o ano de 2024, ter barba era visto como proibição não absoluta, mas a partir de tal ano passou a ser visto pelo Corpo Governante como algo permitido.
Dúvidas? Envie um e-mail para resistenciatj@protonmail.com
[i] O tabagismo era considerado como “parcialmente proibido” até a década de 1970. Alguém que usasse tabaco seria Testemunha de Jeová, mas não seria expulso da congregação; apenas não estava qualificado para ser ancião ou para ter demais privilégios congregacionais.
[ii] Vale apena observar que esta é a orientação da organização, mas não significa que todos os anciãos vão agir de acordo com a orientação. Poderá haver casos de um irmão ser policial civil e enfrentar uma comissão judicativa e ser desassociado. O que estou afirmando apenas é que não há uma orientação para desassociar a pessoa por isso, apenas para que a pessoa não tenha cargos de responsabilidade na congregação.
[iii] O nome que é dado à sede das Testemunhas de Jeová em cada país.
Comentários
Em todo caso, me dá raiva essa proposital falta de objetividade da liderança. Eles fazem isso simplesmente para poder se livrar de questões judiciais. Se no tribunal perguntarem se a congregação proíbe ou não, vão dizer que é os irmãos que decidem por livre e espontânea vontade a fazer ou não fazer. Nunca assumem a responsabilidade.
Normalmente, se um ancião fizer uma tatuagem e os demais vierem a saber disso, ele perderá o cargo, principalmente se isso ficar muito evidente. Mas se for algo mais discreto, os demais anciãos talvez ignorem o assunto.