Contribuído por Cristão Antitípico.
Antes de ler o presente artigo, queira ler a PARTE 1, a PARTE 2 e também a PARTE 3.
Resumo No presente artigo discuto as explicações da Torre de Vigia sobre as razões para excluir a grande multidão do novo pacto, o qual se concretiza pelo comer e beber na ceia do Senhor. Faço várias e variadas citações e mostro como nenhuma delas apresenta qualquer razão sólida para sustentar a interpretação atual de que a grande multidão não está inclusa no novo pacto. Mostro também que as explicações da Torre de Vigia são repletas de pressuposições e argumentos circulares. |
A Torre de Vigia e a argumentação baseada em pressuposições sem base bíblica
A partir de agora mostrarei que a Torre de Vigia interpreta de forma confusa os pactos em Lucas 22 e usa um para justificar o outro. Mas antes, vou mostrar a melhor explicação para o “pacto para um Reino” já apresentada nas publicações da Torre de Vigia. Atente a como essa explicação não possui relação alguma com o “novo pacto”. Eu adicionei breves comentários em [azul].
15 Depois de instituir a Refeição Noturna do Senhor, [i. e., o novo pacto] Jesus fez um pacto com seus discípulos fiéis, geralmente chamado de pacto do Reino. (Leia Lucas 22:28-30.) Diferentemente dos outros pactos, nos quais Jeová é uma das partes, este é um pacto que Jesus fez pessoalmente com seus seguidores ungidos. Quando disse “assim como meu Pai fez comigo um pacto”, Jesus pelo visto estava se referindo ao pacto que Jeová havia feito com ele para ser um “sacerdote para sempre à maneira de Melquisedeque”. — Heb. 5:5, 6.
16 Os 11 apóstolos fiéis haviam ‘ficado com Jesus nas suas provações’. O pacto do Reino lhes garantia que eles estariam com ele no céu e se sentariam em tronos para governar como reis e servir como sacerdotes. [Correto.] Mas aqueles 11 apóstolos não seriam os únicos que teriam esse privilégio. O glorificado Jesus apareceu ao apóstolo João numa visão e disse: “Àquele que vencer, concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com o meu Pai no seu trono.” (Rev. 3:21) [Correto.] Portanto, o pacto do Reino é feito com os 144 mil cristãos ungidos. (Rev. 5:9, 10; 7:4) [Correto.] Esse é o pacto que forma uma base legal para que eles governem com Jesus no céu. [Correto.] Isso pode ser comparado a uma noiva que se casa com um rei que já está governando e, assim, passa a compartilhar de sua autoridade para governar. [a ser revisto.] De fato, as Escrituras se referem aos cristãos ungidos como “a noiva” de Cristo, uma “virgem casta” prometida em casamento ao Cristo. — Rev. 19:7, 8; 21:9; 2 Cor. 11:2. [a ser revisto.] [1]
Percebeu algo curioso nessa explicação sobre “o pacto para um Reino”? Toda a explicação está correta e as referências também; contudo, a ceia do Senhor não é mencionada em parte alguma! Por quê? Porque não há relação entre a ceia do Senhor e o pacto para um Reino. Antes, a relação é entre o pacto para um Reino e “vencer” o mundo, morrendo fiel a Cristo e a Deus.
Não há relação entre a ceia do Senhor e “o pacto para um Reino”, que foi feito após a ceia entre Jesus e os 11 apóstolos. |
Agora, contraste isso com a seguinte argumentação sobre a exclusividade do novo pacto para os 144.000, conforme apresentada em A Sentinela de 1º de fevereiro de 1998, p. 19, par. 3. Preste detida atenção à superficialidade da argumentação e você verá que ela não é baseada na Bíblia.
3 Para os 144.000, a bênção do pacto abraâmico é administrada por meio do novo pacto. [Por que só para os 144.000? Ora, a grande multidão não recebe essa benção administrada pelo novo pacto?] Sendo participantes deste pacto, eles estão “debaixo de benignidade imerecida” e “debaixo de lei para com Cristo”. (Romanos 6:15; 1 Coríntios 9:21) [A grande multidão não está debaixo da lei de Cristo? Por que isso não se aplica também à grande multidão?] Portanto, apenas os 144.000 membros do Israel de Deus têm corretamente participado dos emblemas durante a Comemoração da morte de Jesus, [Não há nenhuma argumentação apresentada para tal finalidade. Não há premissas, apenas a mesma ideia repetida de formas diferentes.] e foi somente com eles que Jesus fez o seu pacto para um Reino. (Lucas 22:19, 20, 29) [Mas o pacto para um reino e o novo pacto não são a mesma coisa e a própria Torre de Vigia ensina isso! Todavia, agora fala-se desses como se fossem a mesma coisa.] Os membros da grande multidão não participam neste novo pacto. [De qual pacto? Do pacto para um Reino ou do “novo pacto”? Então eles não se beneficiam desse pacto. Eles não têm nenhuma garantia de salvação.] No entanto, estão associados com os do Israel de Deus e vivem com eles na “terra” deles. (Isaías 66:8) [Atente à frase a seguir.] Por isso é razoável [razoável? Como assim, “razoável”?! Está é uma dedução humana.] dizer que eles também estão debaixo da benignidade imerecida de Jeová e debaixo da lei para com Cristo. [Como assim? Eles estão admitindo que a Bíblia não diz isso, mas concluem isso porque lhes parece “razoável”.] Embora não participem no novo pacto, são beneficiados por ele. [Onde diz isso na Bíblia? Mas como isso é possível sendo que o novo pacto serve para o perdão de pecados e para tornar-se povo de Jeová? Como é possível não estar no novo pacto e ainda assim usufruir das prerrogativas de tal pacto?]
É problemático, ilógico e incongruente afirmar que os membros da grande multidão não participam do novo pacto e ainda assim usufruem das prerrogativas desse pacto.
Para começar, temos um problema de definição aqui. Todo e qualquer pacto exige necessariamente que ambas as partes assumam obrigações mútuas e colham benefícios decorrentes. Caso estas condições não sejam satisfeitas, o pacto simplesmente é quebrado. Ao dizer que o “novo pacto” é feito apenas entre Deus e os 144.000, a revista A Sentinela está afirmando que apenas estes têm obrigações para com Deus e seriam os únicos beneficiados. Uma vez que a “grande multidão” está fora do pacto, nenhuma pessoa desse grupo teria qualquer obrigação para com Deus e nem usufruiria de qualquer benefício. Mas isso é contraditório, pois o parágrafo explica que a “grande multidão” está ‘sob a lei do Cristo’, ‘debaixo da benignidade imerecida de Jeová’, e na condição de ‘beneficiada’ pelo pacto. Tudo isso só seria verdade se a “grande multidão” fosse também participante do pacto.
Reflita no seguinte. Segundo a Torre de Vigia, os membros da grande multidão participam ou não do “pacto para um Reino”? Não. Então, será que recebem o reino celestial? É claro que não. Por quê? Porque eles não fazem parte do “pacto para um Reino”; a grande multidão sobrevive à grande tribulação na Terra. Da mesma forma, como é possível não fazer parte do novo pacto e ainda assim usufruir das prerrogativas do novo pacto, a saber, o perdão de pecados pelo sangue derramado do Cordeiro e poder chamar a Jeová de “seu Deus” em uma relação especial?
Conforme já havia dito, analisei tudo que pude no que tange à argumentação da Torre de Vigia sobre por que os membros da grande multidão não participam do novo pacto, e não achei absolutamente nada conclusivo. Ao contrário, surpreendeu-me grandemente a ausência de evidências para a exclusão da grande multidão do novo pacto. A conclusão é tomada sempre, sempre com base em pressuposições sem sólida fundamentação bíblica e na confusão entre o “novo pacto” e o “pacto para um Reino”. A Sentinela de 15 de fevereiro de 1964, p. 122 disse:
Na noite em que Jesus instituiu a comemoração da sua morte, ele mencionou também um pacto para um reino: “Eu faço convosco um pacto, assim como meu Pai fez comigo um pacto, para um reino.” [Correto] Este pacto que Deus fez com Jesus Cristo fora originalmente feito com o Rei Davi e predizia a vinda daquele que dominaria para sempre. [Correto] Os que fazem parte deste pacto do Reino são descritos nas Escrituras como os 144.000 membros do Israel espiritual, com selo nas testas, como os 144.000 de pé no Monte Sião com o Cordeiro, [Correto] e como os que participarão da primeira ressurreição e reinarão como reis e sacerdotes de Deus e de Cristo. [Correto] Unicamente os que fazem parte tanto do novo pacto como do pacto do reino é que são elegíveis para participarem da refeição noturna do Senhor. [Non-Sequitur. Qual a base bíblica para isso? Nenhuma.] — Luc. 22:29; 2 Sam. 7:11-16; Apo. 7:4; 14:1, 3; 20:5, 6. [Os grifos em vermelho são meus]
Os textos citados no final do parágrafo como referências para a última afirmação não dizem em parte alguma que somente os que reinam nos céus, os 144.000, participam da ceia do Senhor. Leia-os quantas vezes quiser, os textos não ensinam isso. Em outros termos, a conclusão da Torre de Vigia não segue as premissas apresentadas. Vou explicar melhor. A Torre de Vigia faz as seguintes premissas:
1. O pacto para um Reino não é a mesma coisa que o novo pacto; [correto.]
2. Somente os com esperança celestial participam do pacto para um Reino; [correto.]
3. Esses reinarão com Cristo nos céus; [correto.]
4. Para isso, devem morrer fiéis; [correto.]
5. O pacto para um Reino se estende a todos os 144.000, não apenas aos apóstolos; [correto.]
6. Esses julgarão as “12 tribos não-levíticas de Israel”, isso é uma metáfora para a humanidade inteira; [correto.]
7. Logo, somente o 144.000 participam do novo pacto, que não é a mesma coisa que o pacto para um Reino; [Non-sequitur. A conclusão não pode ser tirada das premissas.]
A revista A Sentinela de 1º de abril de 1965, p. 215, argumentou:
Quando Jesus instituiu a Comemoração, fez isto com seus onze apóstolos fiéis, aos quais continuou a dizer: “Eu faço convosco um pacto, assim como meu Pai fez comigo um pacto, para um reino, a fim de que comais e bebais à minha mesa, no meu reino, e vos senteis em tronos.” Segue-se, portanto, que apenas se o leitor estiver incluído neste pacto com Cristo para um reino é que poderá participar dos emblemas na Comemoração da morte de Cristo.
Há problemas sérios nesse comentário. O ‘comer e beber à mesa do Senhor’ no v. 30 é uma metáfora e não se refere ao comer e beber literais durante a celebração da morte de Cristo, mas à recompensa celestial, pois isso ocorrerá no reino de Cristo, enquanto os escolhidos julgam “as 12 tribos de Israel”, isto é, a humanidade remida, não durante esse mundo, conforme disse A Sentinela de 2010:
“Eu faço convosco um pacto, assim como meu Pai fez comigo um pacto, para um reino, a fim de que comais e bebais à minha mesa, no meu reino, e vos senteis em tronos para julgar as doze tribos de Israel.” (Luc. 22:28-30) Isso ocorrerá na “recriação”, ou época de regeneração, durante o Reinado Milenar de Cristo. [O itálico é do artigo, o vermelho é meu.][2]
Mais uma vez fica claro que a Torre de Vigia confunde vez após vez o “novo pacto” com “o pacto para um Reino”, e usa o último em conexão com o primeiro para justificar o comer e beber do pão e do vinho na ceia do Senhor apenas para os 144.000.
A revista A Sentinela de 1º de fevereiro de 1988, p. 31, argumentou:
Enquanto instituía a comemoração da Refeição Noturna do Senhor, Jesus disse a seus seguidores íntimos: “Este copo significa o novo pacto em virtude do meu sangue, que há de ser derramado em vosso benefício.” [Correto] Ao mesmo pequeno grupo de apóstolos, ele acrescentou: “Vós sois os que ficastes comigo nas minhas provações; e eu faço convosco um pacto, assim como meu Pai fez comigo um pacto, para um reino, a fim de que comais e bebais à minha mesa, no meu reino, e vos senteis em tronos para julgar as doze tribos de Israel.” — Lucas 22:20, 28-30. [Correto]
Note nestas últimas palavras que aqueles que haviam de comer e beber os literais pão e vinho, quais emblemas que simbolizam o corpo e o sangue de Jesus, eram os discípulos incluídos no “novo pacto”. [As palavras são reinterpretadas. Sim, os que participam do “pacto para um Reino” de fato participam do “novo pacto”, mas nada é dito sobre a relação entre o “pacto para um Reino” e sua limitação ao “novo pacto”, como se os dois pactos fossem a mesma coisa. Esse é um acréscimo interpretativo, não um ensino bíblico.] Estes estariam também incluídos num outro pacto, um pacto que Jesus faz com eles de modo que possam partilhar o governo ‘no reino dele’. [Aqui está sendo argumentado que o “pacto para um Reino” é, em essência, não um pacto em si mesmo, mas o resultado, isto é, a prerrogativa do “novo pacto”. Essa afirmação não possui base bíblica sólida e é inconclusiva; é baseada na interpretação pessoal.] Claramente, Jesus se referia aqui [no “novo pacto” ou no “pacto para um Reino”?] aos que seriam ‘feitos um reino e sacerdotes para o nosso Deus, para reinar sobre a terra’. (Revelação 5:10) [Se a palavra “aqui” se referir ao “pacto para um Reino”, isso está correto.] No primeiro século, Deus começou a selecionar os 144.000 que participariam no Reino celestial. Os Cristãos em Corinto eram desse grupo, pois foram descritos como “santificados em união com Cristo Jesus, chamados para ser santos”. (1 Coríntios 1:2; compare com Romanos 1:7; 8:15-17.) [Correto] Tais “santos” deviam participar na Refeição Noturna do Senhor, servindo-se com apreço do pão emblemático e também do vinho que significa “o novo pacto em virtude do . . . sangue [de Jesus]”. — 1 Coríntios 11:23-26. [Correto]
Hoje remanescem vivos na terra apenas um pequeno restante dos escolhidos por Deus para a vida celestial. Apenas esses que estão no “novo pacto” estão autorizados a comer ou beber dos emblemas, o pão e o vinho, na celebração anual da Comemoração da morte de Cristo. [A conclusão não é bíblica, mas é interpretação pessoal. A Bíblia não diz isso em parte alguma.] [O grifo em vermelho é meu]
Essas são apenas algumas das explicações da Torre de Vigia. Contudo, todas as explicações que li são semelhantes: premissas corretas são feitas, mas a conclusão não segue as premissas. (non-sequitur) Em resumo, não há base bíblica sólida para afirmar que a grande multidão não esteja incluída no novo pacto; mas há certamente base bíblica para afirmar que este grupo de fato está incluído no novo pacto, conforme apresentei na PARTE 3, e reafirmarei na PARTE 5.
Na PARTE 5 mostrarei como a Páscoa judaica projetava a uma realidade que certamente inclui a grande multidão no novo pacto.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
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[1] A Sentinela de 15 de outubro de 2014, pp. 16-17 pars. 15-16.
[2] A Sentinela de 15 de março de 2010, p. 25, par. 5. Veja também A Sentinela de 1º de outubro de 1982, p. 21, par.5, e a edição de 15 de abril de 1987, p. 30.
Comentários
Tenho uma dúvida, no seu artigo de 2011 sobre quem são as outras ovelhas você conclui o assunto dizendo que aqueles que não fazem parte do novo pacto NÃO tomam dos emblemas e portanto agora vc defende que todos TOMAM dos emblemas.
É isso mesmo ou eu entendi errado o ponto?
No artigo de 2011, o Apologista da Verdade (não eu) defendeu a tese que estava de acordo com a interpretação da Organização. Atualmente, nós não mais concordamos com a tese defendida em 2011, tese esta que outrora defendíamos. Peço desculpas pelo antigo erro.
Você pode comparar os dois artigos e decidir o que lhe parece mais coerente e razoável.