Pular para o conteúdo principal

Existia um corpo governante no cristianismo do primeiro século?

 
Figura 1 - O concílio de Jerusalém

Fonte da imagem


Contribuído por Cristão Antitípico.


Recebi um comentário de um leitor que chamarei de Dumon. Dumon fez acusações e argumentos. Alguns dos pontos mencionados por ele são ataques a argumentos que eu não fiz, mas que ele mesmo criou. Portanto, a fim de resumir o presente artigo, vou citar apenas as palavras de Dumon que estão relacionadas aos assuntos pertinentes e que são objeção sólidas, deixando de lado as acusações e argumentos irrelevantes.

Dumon disse:

“. . . com base no que você disse no seu artigo. . . se isso não constitui um absurdo completo, chega bem perto, pois é justamente isso que você pensa sobre o Corpo Governante [das Testemunhas de Jeová]: que eles não aceitam críticas. E o mais engraçado de tudo isso é o senhor ficar bastante incomodado com o fato de ser questionado. . .”

Prezado Dumon, parece-me que eu talvez não tenha sido claro o suficiente quanto à minha posição em relação à liderança das Testemunhas de Jeová, o que talvez tenha gerado esta crítica da sua parte. Deixe-me explicar parte por parte o que acontece.

Todos nós somos passíveis de críticas e é natural que ninguém goste de ser criticado. Existem críticas justas e injustas; as críticas injustas incomodam a qualquer pessoa, e isso é normal; mesmo críticas justas talvez incomodem pessoas sinceras no início, e possivelmente com o tempo aquele que recebeu a crítica amadureça e passe até a ser grato à outra pessoa pela crítica, pois produziu melhoras naquele que foi criticado. Tudo isso é normal, faz parte da vida em sociedade. Não é esta minha crítica à liderança das TJs.

Vou ilustrar o que tenho a dizer usando sistemas políticos. Digamos que haja dois candidatos, um de direita e um de esquerda. Um deles faz uma acusação falsa sobre o outro; o outro responde; há uma tréplica, um deles se exalta porque foi acusado de algo que não fez, etc. Dias após o debate, um deles vence a eleição. Aquele que venceu a eleição mostra que foi acusado injustamente pelo outro candidato e o chama de “mentiroso”. Talvez ocorra um processo com base na calúnia feita, mas ninguém vai para a cadeia nem é sentenciado à morte.

Nada nesse exemplo se encaixa no conceito de “censura” ou de “não aceitar críticas”. Isso ocorre naturalmente em uma sociedade livre: as pessoas são livres para falar, mas poderão ser punidas se disserem coisas ilegais. É ilegal, por exemplo, ameaçar alguém de morte. Calúnia, injúria e difamação são crimes.

Agora veja outro cenário: um líder político em um país totalitário recebe uma crítica justa, verdadeira, de um civil. (Talvez de que ele esteja envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público.) O civil prova que a acusação é verdadeira. Então, o líder político manda prender o civil. Este perde contato com os amigos, a família e nunca mais é visto. Isso é tudo.

Você realmente acha que os dois exemplos são idênticos? Reflita nisso. Há uma diferença grandiosa entre os dois casos.

Assim como todo ser humano pensante, eu não gosto de receber críticas (quem diz que não se importa em ser criticado está sempre mentindo); e se alguém me criticar de forma injusta ou caluniosa, difamatória ou injuriosa, eu posso até processar a pessoa; mas eu não ordeno que a família daquele que me criticou pare de falar com ele, expulse-o de casa e ainda o chame de “apóstata” e “traidor de Cristo”, assim como faz a liderança das Testemunhas de Jeová quando criticada.

Se você não acha relevante a diferença entre responder a uma crítica como eu respondo e o modus operandi do CG (Corpo Governante das Testemunhas de Jeová), que difama como “traidor de Cristo”, “apóstata”, a todo aquele que critica o magistério, então não há mais razão para esta importante discussão.

 

Existia um governo central para a igreja estabelecido com sede em Jerusalém no primeiro século?

Vejamos agora os comentários do leitor sobre sua tese de que havia um “governo central” para as congregações no Novo Testamento (NT). Dumon disse:

“O que ocorreu em Atos 15 é sim um exemplo de como a congregação era organizada no começo dela e espelha como ela deveria ser nos nossos dias. [Concordo.] Nada na Bíblia é aleatório, mas tudo tem uma razão de ser. [O atual CG discorda disso, segundo a nova visão sobre “Tipos e Antítipos” de 2015 revela.] Pergunte-se: por que Paulo e Barnabé, cheios do espírito santo, não resolveram a questão sobre a circuncisão eles mesmos? [Porque era o espírito santo que decidiria.] O que a Bíblia está nos dizendo por mostrar esses homens santos irem a Jerusalém e aos apóstolos para resolver essa questão? A administração dos anciãos não era apenas local? Por que precisaram de cartas para notificar as demais congregações da decisão tomada?”

Prezado Dumon, eu não o critico por seu argumento, pois eu mesmo acreditei nisso por anos. Portanto, eu tenho plena ciência de que você está convicto de que de fato havia um governo central e permanente estabelecido em Jerusalém para a congregação no NT com base na controvérsia da circuncisão. Portanto, eu o respeito por isso.

O que eu gostaria de explicar para você, meu irmão, é minha visão sobre o assunto: o que ocorreu em Atos 15 não foi a apresentação da existência de um governo central, ou um “corpo governante” para a igreja; antes, foi um concílio de toda a congregação. Há uma diferença enorme entre esses dois conceitos.

Jesus Cristo foi o representante de Jeová em Israel de 29 a 33 EC. Ele sabia que, depois de sua morte, seus seguidores precisariam de direção, e era o espírito santo que direcionaria seus seguidores. Jesus disse:

Mas o ajudador (paraklētos), o espírito santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinará todas as coisas a vocês e os fará lembrar de todas as coisas que eu lhes disse. (João 14:26, TNM15)

Note que Jesus jamais disse que seria um “corpo governante” que ensinaria a igreja, mas o espírito santo, sem intermediários. Nos tempos de Charles Taze Russell a Sociedade se aproximava bastante desse conceito.

As congregações estavam em disputa sobre a questão da circuncisão. Assim, Paulo e outros apóstolos e discípulos influentes ficaram sabendo da controvérsia sobre a circuncisão. Em vista disso, os apóstolos convocaram alguns anciãos experientes em Jerusalém, que eram peritos na cultura judaica, para analisar a questão. Mas como saber o caminho a tomar? É simples, porque o espírito santo se manifestava de forma objetiva, externa e perceptível a todos; não apenas nas mentes de oito homens.

Pedro teve uma visão sobre animais impuros – isso foi revelação profética. (Atos 10:9-17) Ele não entendeu a visão, mas quando foi até à casa de Cornélio, viu que os gentios incircuncisos haviam recebido o espírito santo e concluiu, considerando o sonho que tivera:

(Atos 10:34, 35) Em vista disso, Pedro começou a falar; ele disse: “Agora eu entendo claramente que Deus não é parcial, 35 mas, em toda nação, ele aceita aquele que o teme e faz o que é direito.”

A conclusão de Pedro era a resposta do espírito santo, não de um “corpo governante”, sobre se os gentios deviam ou não ser circuncidados. Pedro não foi inspirado para concluir as palavras de Atos 10:34, 35, mas ele foi direcionado para concluir isso. O espírito santo revelou por visões a Pedro, não a um corpo governante, certas informações com base nas quais Pedro, não um corpo governante, tirou conclusões inequívocas. Como assim? É simples: a conclusão à qual Pedro chegara era a única conclusão possível; e nunca poderia estar errada nem ser alterada com uma “nova luz” no futuro. Portanto, era o espírito santo que governava, não um corpo governante.

A mesma coisa aconteceu com Paulo e Barnabé. A Bíblia diz:

(Atos 15:12) 12 Em vista disso, o grupo inteiro ficou calado e começou a escutar Barnabé e Paulo relatar os muitos sinais e milagres que Deus tinha feito por meio deles entre as nações.

O espírito santo se manifestou em Paulo, Barnabé e Silas perante os gentios, não nas mentes de alguns deles de forma secreta, mas de forma externa e perceptível a todos. O que isso significava? Que os incircuncisos não precisavam ser circuncidados para receber o espírito santo, pois o espírito não fez “nenhuma distinção”. (Atos 15:9) Logo, a circuncisão era desnecessária. Esta era a única conclusão possível à qual se poderia chegar. Ela não poderia ser alterada por uma “nova luz” no futuro. Do contrário, Paulo e os demais cairiam, com razão, em descrédito. Portanto, foi o espírito santo que governou, não um corpo governante.

Então Tiago se levantou como porta-voz da igreja e disse que o espírito santo, não um “corpo governante”, já havia solucionado o dilema sobre a circuncisão. (Atos 15:13) Apenas as leis baseadas em princípios eternos permaneceriam. (Atos 15:20) No momento em que esta decisão foi tomada, não poderia haver, em hipótese alguma, retratação, anulação, nem uma “nova luz” que contradissesse ou mesmo alterasse tal decisão. Enquanto tal grupo entendia a orientação do espírito santo, era inerrante. Não havia “alimento imperfeito sob a orientação do espírito santo”.

Portanto, o decreto apostólico de Atos 15 não foi um corpo governante no sentido de um governo central que ficava batendo o martelo sobre cada detalhe na vida dos outros; foi um concílio onde as pessoas envolvidas relataram em reunião o que o espírito santo tinha feito. Em seguida, o grupo serviu apenas como porta-voz daquilo que o espírito santo já havia decidido. Portanto, era o espírito santo que governava as congregações, não um corpo governante.


Era o espírito santo que governava as congregações, não um corpo governante.


Prova disso é que Filipe recebeu revelação direta de Jeová sobre onde deveria ir.

(Atos 8:26) . . . o anjo de Jeová falou a Filipe, dizendo: “Levanta-te e vai para o sul, à estrada que desce de Jerusalém para Gaza.”

Em momento algum Filipe escreveu para os “apóstolos e anciãos em Jerusalém” para ser designado e saber para onde deveria ir. Ele simplesmente foi, seguindo a orientação de Jeová dada a ele enquanto indivíduo, não ao corpo em Jerusalém para que informasse posteriormente a Filipe.

Qualquer irmão que imitar Filipe hoje e decidir pregar em um lugar, sem ter sido designado pelo CG, será repreendido. Há uma diferença grandiosa entre a estrutura da igreja no NT e a existência de um governo central que determina tudo como autoproclamado “canal de comunicação de Jeová”. E isso fica claro quando lemos cuidadosamente os seguintes textos:

· (Atos 15:4) “. . . Chegando a Jerusalém, foram recebidos benevolamente pela congregação e pelos apóstolos e anciãos. . .”

·    (Atos 15:22) 22 “Então pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos, junto com toda a congregação, enviar a Antioquia homens escolhidos dentre eles;”

Qual parte de “junto com toda a congregação” é ambígua para você, prezado Dumon? Conforme fica claro por estes dois textos, principalmente em Atos 15:22, toda a congregação participou da solução na discórdia sobre a circuncisão, não apenas 8 homens que acham que suas opiniões pessoais são “luzes” de Jeová para os demais.

Qual seria o protocolo nos tempos modernos se o modelo neotestamentário fosse colocado em prática? Funcionaria assim: surge uma pergunta tal como:

·       “Quem são os membros da grande multidão que sobreviverão na Terra? São estes discípulos batizados ou simpatizantes? Eles ‘lavam suas vestes’ antes ou depois da grande tribulação?”

A Bíblia não é inambígua quanto a isso.[1] A resposta será dada apenas pelo espírito santo, não por um “corpo governante”.

Então, ao invés de um grupo de 8 homens decidir com base no que cada membro acha e em seguida impor suas opiniões às congregações e desassociar quem discordar deles, as congregações deveriam ser consultadas, e cada ancião local deveria expor a questão aos membros da congregação em reuniões. Se algum membro tiver alguma experiência onde ele crê que foi a ação e direção do espírito santo, ele deve contar aos anciãos e à congregação.

Em seguida, os anciãos congregacionais relatam aos superintendentes as experiências das congregações e conforme creem que foi a ação e direção do espírito santo.

Os superintendentes convocam anciãos de todo o mundo e forma-se um concílio temporário, apenas para este assunto específico, e aqueles que tiverem experiências onde creem que o espírito santo os direcionou a alguma conclusão devem relatar. Em vista disso, o grupo deve buscar o denominador comum entre todas as experiências. Se não há clareza suficiente, o grupo deve postergar a decisão e informar as congregações de que não chegou a hora de isso ser revelado. Quando chegar a hora, o espírito santo mostrará a resposta à congregação, não a um magistério de ensino de 8 homens.

Se após tudo isso a resposta foi entendida e foi unânime, aí sim a congregação, a qual participou ativamente da decisão, será informada oficialmente. Aí então a doutrina é estabelecida e não pode ser alterada. Se for alterada no futuro, isso é heresia. Não pode haver erro nem outra “luz”.

Portanto, veja que o sistema apresentado no NT é o oposto diametral de um governo centralizado, tal qual um corpo governante que determina tudo, até quais pelos os irmãos podem ou não ter, e isso não é exagero, conforme fica claro nas imagens a seguir:




 Conforme pode ser visto nas imagens acima, o corpo governante controla até mesmo quais pelos os cristãos podem ter. Nas instruções para os participantes de dramas em congressos, o corpo governante, não os anciãos locais, determina que nenhum participante pode ter barba; se tivesse, seria expulso do elenco. Em Correspondence Guidelines (2007), página 20, o CG determina que ter barba corresponde à vestimenta inapropriada.

Inclusive a ordem para congressistas é que irmãos que tenham barba sejam excluídos de qualquer participação em congressos. Ou seja, você não pode nem contar uma experiência edificante, nem mesmo entregar um microfone em um congresso se você tiver barba. Caso você duvide disso, consulte as orientações para congressistas com os anciãos de sua congregação.

Em minha anterior congregação, um irmão deixou a barba crescer e rapidamente os anciãos caíram em cima dele. Ele respondeu que a Bíblia não proíbe ter barba.

Então, ao invés de cometer a “heresia” de abrir as Escrituras e analisar o que elas dizem, os anciãos fizeram “exatamente” o que Pedro e Paulo fariam: ligaram para o escritório para que o escritório determinasse se o irmão poderia ter barba ou não – consultar a Bíblia para saber o que a palavra de Jeová tem a dizer não foi nem ao menos considerado. O escritório determinou que o irmão não poderia ser ancião. É esta a estrutura organizacional ensinada no NT? Não é possível que você ache isso normal.

Eu mencionei brevemente esse ponto sobre a barba a fim de provar que não existe esta estrutura governamental no Novo Testamento. Definitivamente, o que aconteceu em Atos 15 não é um governo centralizado para a igreja que determina cada mínimo detalhe sobre cada assunto para as congregações.


Nota:

[1] A meu ver, é inambíguo que a grande multidão sobreviverá na Terra. (Compare Apocalipse 7:17 com 21:4.) Contudo, visto que a vida na Terra não é prometida à igreja cristã, apenas aos servos do Antigo Testamento e às “nações”, há um dilema que precisa ser recolocado sobre a mesa novamente. Por um lado, parece razoável que os membros da grande multidão sejam cristãos antes da grande tribulação; por outro lado, soa contraditório com a esperança da igreja cristã, que é exclusivamente celestial. Eu não tenho uma posição definida quanto a isso. 


Contato: oapologistadaverdade@gmail.com

 

Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org

 

 



Comentários

Abel Lima disse…
Olha a que nível chegamos, temos um corpo governante autoritário que usa inapropriadamente "espirito santo" de Jeová para validar suas conclusões errôneas sobre a bíblia. transferiram a autoridade das escrituras para eles mesmos, ai daquele que ousar proferir uma critica valida a estes senhores, onde está a famosa humildade de cristo? eles não tem humildade para admitir seus erros e põem tudo na conta do "ajuste de entendimento, o espirito santo sempre leva a conclusões inequívocas e jamais se contradiz.
thecamellon disse…
O que me chama atenção nessa minha ex-crença é que dos 144 mil GOVERNANTES, somente esses 8 senhores são o "Escravo Fiel", os demais ungidos na Terra são reputados como nada. Não governam nada, não são parte desse grupo seleto. Que espécie de ungidos são os demais? Infiéis, uma categoria inferior?
Alguém entendeu meu questionamento?

Só lembrando que essa tarefa não foi dada a eles por ninguém, pois não são inspirados, não têm o dom de profecia e não são batizados com espírito santo. Portanto a "unção" deles é questionável
Anônimo disse…
Além de todo excelente argumento do Apologista, ficou sem resposta a problemática apresentada no artigo Gradualismo x Autoritarismo, sobre a designação do "Escravo Fiel", que gostaria de ver respondida por quem defende o modelo de liderança do CG. O artigo acima, em resposta ao caro Dumon, mostrou claramente que havia a participação de vários ungidos de várias congregações, na decisão em Jerusalém, não apenas de um grupo seleto.
Marcos disse…
Esse artigo é excelente. O irmão desconstruiu belamente a narrativa tão repetida pela Torre de Vigia e mostrou que a estrutura da organização atual não é embasada no novo testamento. A sugestão sobre como resolver controvérsias no modelo da congregação primitiva foi excepcional. Se fosse feito assim, haveria muitas melhoras na organização.

MAIS LIDOS

“Sinal dos pregos” no corpo de Jesus – o que indica?

Por que a ressurreição de Lázaro ocorreu no 4.º dia e a ressurreição de Jesus ocorreu no 3.º dia?

O que é Lilith em Isaías 34:14?

Diferença entre “criar” e “fazer”

O espírito volta a Deus – em que sentido? (Eclesiastes 12:7)

Quem são as “outras ovelhas”?

DIREITO OU “USURPAÇÃO”? (Filipenses 2:6)

Refutando acusações apóstatas (Parte 1)

Quanto tempo durou a escravidão dos israelitas no Egito?

O Faraó do Egito teve relações sexuais com a esposa de Abraão?