Fonte: https://www.pinterest
O artigo anterior mostrou que a Vulgata traduziu de forma incorreta a
passagem de Êxodo 34:29-35, ao verter o verbo hebraico qaran por “ter chifres”. Este segundo artigo desta série
reforçará ao leitor esta conclusão.
O que disseram alguns comentaristas
bíblicos
Ellicott:
Os pintores
o representam por raios, ou às vezes – mas incorretamente – por chifres, este
último uso originado em uma interpretação equivocada da Vulgata (quod cornuta esset facies sua [que seu rosto tinha
chifres], em vez de quod splenderet facies sua [e seu
rosto resplandecia]).
Albert Barnes:
A palavra
traduzida “brilhar” está intimamente ligada a uma palavra traduzida por
“chifre”; e, portanto, a versão latina e outros verteram o verbo por “ter
chifres”. Desta interpretação da palavra surgiu a representação popular de
Moisés com chifres na testa; e. g. [por exemplo] na estátua de Michelangelo, em
Roma.
Adam Clarke:
A pele do seu rosto brilhou - קרן karan , estava com chifres: tendo estado muito tempo
em relações familiares com seu Criador, sua carne, assim como sua alma, foi
penetrada com a refulgência da glória Divina, e sua aparência expressava a luz
e a vida que habitavam no interior. Provavelmente Moisés apareceu agora como
fez quando, na transfiguração de nosso Senhor, ele foi visto com Elias no monte
(Mateus 17). Como a palavra original קרן karan significa
“brilhar”, “lançar-se adiante”, como chifres na cabeça de um animal, ou raios
de luz refletidos de uma superfície polida, podemos supor que a glória
celestial que encheu a alma desse santo homem saiu do seu rosto em fulgurações,
da maneira em que a luz é geralmente representada. A Vulgata traduz a passagem
por “e ele não sabia que seu rosto estava com chifres”; esta forma de traduzir,
incompreendida, induziu os pintores em geral a representarem Moisés com dois
grandes chifres, um procedente de cada lado. Mas poderíamos naturalmente
perguntar, enquanto eles estavam se entregando a tais fantasias, por que apenas
dois chifres? Pois é muito provável que houvesse centenas dessas radiações,
procedendo imediatamente da face de Moisés. Não foi, com certeza, por essa
mesma circunstância que quase todas as nações do mundo que ouviram falar dessa
narrativa concordaram em representar aqueles homens a quem atribuíam
extraordinária santidade, e a quem supostamente teriam tido relações familiares
com a Divindade, com um nimbo ou glória lúcida em volta de suas cabeças. Isso
prevaleceu tanto no Leste quanto no Oeste; não somente os santos gregos e
romanos, ou pessoas eminentes, são assim representados, mas também aqueles
entre os maometanos, hindus e chineses.
A nota da “Bíblia mensagem de
Deus” (p. 112) explica sobre Êxodo 34:29-35:
A raiz hebraica QRN se encontra
no substantivo “chifre” e na expressão “emitir raios”. Daí a confusão de Áquila
e da Vulgata que dotaram Moisés de chifres que ainda hoje se veem na Basílica
de S. Pedro, graças a Miguel Angelo! Ver a interpretação alegórica desta
perícope em 2Cor 3,7-18.
Como a Septuaginta verte o hebraico qaran
Em Êxodo 34:29, a Septuaginta usa o verbo δεδόξασται (dedóxastai, 3.ª pessoa do singular do
perfeito do indicativo passivo de δοξάζω [doxázo]).
Doxázo tem o sentido de
“glorificar”, “adornar com brilho”, “vestir com esplendor” e está ligada à
gloria do rosto de Moisés no seu uso em 2 Coríntios 3:10.[1]
A expressão usada na Septuaginta é
δεδόξασται ἡ ὄψις τοῦ χρώματος τοῦ προσώπου αὐτοῦ (dedóxastai
he ópsis toû khrómatos toû prosópou autoû), que significa “estava
glorificada [reluzia] a aparência [semblante] da cor do rosto dele”. Perceba
que os tradutores da Septuaginta relacionaram doxázo com
“cor”, “tonalidade”. Portanto, tem a ver com “luz”, “brilho”, “reluzência”,
“resplandecência”. Nenhuma indicação de haver chifres na cabeça de Moisés.
No versículo 30, a Septuaginta
traduz assim: ἦν
δεδοξασμένη ἡ ὄψις τοῦ
χρώματος τοῦ προσώπου αὐτοῦ
(dedoxasméne he ópsis toû khómatos toû
prosópou autoû). Esta sentença pode ser traduzida como “estava sendo
glorificada a aparência da cor do rosto dele”. Isto denota o mesmo sentido de
“resplandecer”.
Finalmente, lemos na Septuaginta o verso 35: καὶ εἶδον οἱ
υἱοὶ Ισραηλ τὸ πρόσωπον Μωυσῆ
ὅτι δεδόξασται (kaì eîdon hoi huioì Israel tò prósopon Mousê hóti dedóxastai),
frase que pode ser traduzida assim: “E tendo visto os filhos de Israel o rosto
de Moisés, que estava sendo glorificado [reluzia]”. Nada de chifres.
A palavra grega para “chifre” é κέρας (kéras), e esta palavra não ocorre em
Êxodo 34:29, 30, 35.
Portanto, a Septuaginta, ou Versão dos Setenta,
traduz de modo a mostrar que a face de Moisés possuía brilho extraordinário
pela experiência que ele passou, em seu contato com Deus no monte Sinai.
Como 2 Coríntios 3 explica o relato de
Êxodo 34:29-35
Lemos em 2 Coríntios
3:7: “... os filhos de Israel não podiam olhar para o rosto de Moisés por
causa da glória [τὴν δόξαν; tèn
dóxan] do seu rosto, glória que seria eliminada.” Note
que o apóstolo Paulo, assim como os tradutores da Septuaginta,
falou da “glória” (δόξα; dóxa) do “rosto
de Moisés”, e não de chifres em seu rosto.
Glória está
relacionada com “luz” em Atos 22:11, onde Paulo fala do “brilho [τῆς δόξης; tês dóxes; “da
glória”] daquela luz [τοῦ φωτὸς; toû
fotòs]”. Algumas
traduções traduzem “glória” por “esplendor” (ACF), “fulgor” (ARA),
“intensidade” (NAA),
“resplendor” (NVI).
Fonte: jw.org
O Léxico grego de
Thayer, discorrendo sobre dóxa, afirma:
1. corretamente: τοῦ φωτός [da luz], Atos 22:11; do sol, lua, estrelas, 1 Coríntios
15:40 f; usado com relação ao
brilho celestial, do qual Deus
foi referido como estando cercado, Lucas 2:9; Atos 7:55, e pelo qual
os seres celestes foram cercados quando apareceram na terra, Lucas
9:31; Apocalipse 18:1; com o
qual o rosto de Moisés já foi iluminado, 2 Coríntios 3:7, e também
Cristo em sua transfiguração, Lucas 9:32.
Pulpit Commentary (“Comentários do Púlpito”) afirma sobre isso:
Versículo 29. – A
pele de seu rosto brilhava enquanto ele falava com ele. Pelo contrário,
“através da conversa com ele”. A glória de Deus, como revelada a Moisés
nesta ocasião, fez com que seu rosto se tornasse radiante. Compare o
efeito da transfiguração (Mateus 17:2). A Vulgata traduz
erroneamente qaran, “brilhar”,
como se fosse derivado de qeren,
“um chifre” – de onde os pintores dos tempos medievais geralmente representam
Moisés como chifre. As palavras de
São Paulo (2 Coríntios 3:7) são conclusivas quanto ao verdadeiro
significado. – Negrito acrescentado.
Portanto, a alusão que Paulo fez
em 2 Coríntios, capítulo 3, ao relato de Êxodo 34:29-35 torna claro que o rosto
de Moisés não recebeu chifres, e sim o brilho intenso da glória divina.
O terceiro e último
artigo desta série examinará mais a fundo o motivo de Jerônimo ter traduzido
esse texto de tal forma. E, por último, examinará os argumentos usados pelos
que pretendem defender a Vulgata nesta
forma de traduzir.
Nota:
[1] 2 Coríntios 3:10. The Online Greek Bible. Disponível em: < http://www.greekbible.com/l.php?doca/zw_v--xppnsn-_>.
Explicação das siglas usadas:
ACF: Almeida Corrigida Fiel.
ARA: Almeida Revista e Atualizada.
NAA: Nova Almeida Atualizada.
NVI: Nova Versão Internacional.
[1] 2 Coríntios 3:10. The Online Greek Bible. Disponível em: < http://www.greekbible.com/l.php?doca/zw_v--xppnsn-_>.
Explicação das siglas usadas:
ACF: Almeida Corrigida Fiel.
ARA: Almeida Revista e Atualizada.
NAA: Nova Almeida Atualizada.
NVI: Nova Versão Internacional.
A
menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do
Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
Os
artigos deste site podem ser citados
ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários