Fonte da ilustração:
https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/biblia-ensina/quem-e-jesus-cristo/
Quando a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Gregas Cristãs foi produzida, diversos teólogos a criticaram afirmando que a tradução indefinida em João 1:1c era uma violação da regra de Colwell. Eles ingenuamente concluíram que um PNAPV[1] era automaticamente definido. Assim, achavam que o artigo definido estava subentendido em João 1:1c.
Na sua
acirrada posição contra a Tradução do Novo Mundo, tais críticos desperceberam
que um PNAPV definido em João 1:1c colocaria a cláusula anterior do texto em
contradição. Ou seja, uma vez que a Palavra “estava com” o Deus, ela não
poderia ser “o Deus”. Ademais, isso conflitaria
com o próprio ensino trinitário, pois faria o Pai ser o próprio Filho.[2]
Mas, como
para os trinitários uma tradução indefinida do texto está fora de cogitação,
devido a suas convicções, eles procuram atribuir um sentido qualitativo a ele.
Neste artigo, serão examinadas as seguintes questões: É incorreta uma versão
indefinida de João 1:1c? O sentido qualitativo nessa cláusula faria o Filho ser
coigual ao Pai?
Para melhor
entendimento do leitor, vamos esclarecer aqui os sentidos que têm sido
atribuídos a um substantivo anartro.
1) Definido: quando identifica a pessoa ou coisa, distinguindo-a
de outra. Tem aspecto de exclusividade dentro do referido contexto. O artigo
definido “o” está subentendido.
2) Indefinido: quando denota um indivíduo entre outros numa
espécie ou categoria. Pode-se acrescentar o artigo indefinido “um” ao
substantivo sem alterar seu sentido.
3) Qualitativo: destaca a qualidade, natureza ou espécie de algo
ou alguém. Admite a substituição do substantivo por um adjetivo correspondente
sem alterar o sentido.
Uma análise da posição de Harner
Observe
a regra abaixo:
Um predicado anartro é usualmente indefinido quando
segue o verbo. Quando é colocado
antes do verbo, o padrão da gramática grega sugere que é qualitativo.
Visto que, em
João 1:1c o predicativo anartro θεός (deus) ocorre antes do verbo, segundo tal regra o substantivo θεός seria qualitativo, devendo ser
traduzido “divino” (ou “divina”), e não “um deus”. Mas, seria assim mesmo?
Philip B.
Harner, no seu artigo “Substantivos Predicativos Anartros Qualificativos:
Marcos 15:39 e João 1:1”, relaciona textos bíblicos como indicação dessa tese.
Vamos fazer uma análise de suas afirmações.
1) Harner atesta que João usa 18 vezes a
construção em que o verbo precede um predicado anartro, e em todos os casos ele
afirma que o predicado tem força indefinida. Os textos citados por ele são:
João 1:41; 4:14, 18, 25; 6:55; 8:55; 9:28; 10:12; 11:38; 15:8; 18:13, 15, 38,
40; 19:12, 38.
Um estudo
imparcial dessas ocorrências leva às seguintes conclusões sóbrias:
·Apenas
10 ocorrências são predominantemente indefinidas. (João 1:41; 4:14; 8:55; 11:38;
15:8; 18:15 [2x], 40; 19:12, 38)
· 2 podem ser tanto definidas como indefinidas. (João 9:28; 10:12)
·
4
podem ser indefinidas, mas
predomina a definição. (João 4:18; 6:55 [2x]; 18:38)
· 1
é predominantemente definida. (João 18:13)
2) Dos 53 usos do PNAPV que Harner encontrou no
evangelho de João, ele defende
que, em 40 casos, a força qualitativa do predicado é mais proeminente que sua
definição ou indefinição. No entanto, dessas ocorrências, o
próprio Harner põe em dúvida 11 casos.[3] Um estudo desses 40 nos leva ao
resultado abaixo:
· 13 casos são predominantemente indefinidos. (João 3:4; 4:9; 6:70; 8:34, 44
[2x]; 48; 9:17; 10:1, 8, 13; 12:6; 18:35) João 6:70 é inquestionavelmente indefinido.
· 5 podem ser
tanto qualitativos como indefinidos. (João 3:6 [2x]; 9:24, 25; 10:33)
· 3 são predominantemente definidos. (João 3:29; 8:42; 10:2) João 8:42
é claramente definido.
· 2 podem ser
tanto qualitativos como definidos. (João 6:63 [2x])
· Em 9 casos predomina a definição. (João 1:12; 6:70; 8:33, 37, 39;
12:50; 13:35; 15:14; 17:17)
·
3
podem ser tanto definidos como indefinidos.
(João 8:31; 9:27; 12:36)
·
1
pode ser qualitativo, definido ou indefinido. (João 10:34)
· Em apenas 4 casos parece predominar a
força qualitativa. (João 1:14; 2:9; 7:12; 9:31)
A dificuldade da especificação do
sentido
Como se pode
notar pelas observações acima, não é tarefa simples determinar a definição,
indefinição ou qualitatividade de um substantivo anartro. O próprio Harner
admitiu isso. No caso de Marcos 15:39, por exemplo, Harner conceitua
que os três usos (qualitativo, definido e indefinido) são gramaticalmente
possíveis e contextualmente aceitáveis.[4]
Na parte final do texto em grego, Marcos relata as palavras do oficial
do exército romano, quando este testemunhou os eventos incomuns ocorridos por
ocasião da morte de Cristo. O oficial exclamou:
Ἀληθῶς οὗτος ὁ
ἄνθρωπος υἱὸς θεῦ ἦν
Alethós hoútos ho ánthropos huiós Theoû ên
Certamente
este o
homem filho de
Deus era
O que o
oficial do exército tinha em mente ao usar a expressão “filho de Deus”? O Filho
de Deus? Um filho de Deus? Um filho de um deus? Embora a Comissão da Tradução
do Novo Mundo da Bíblia tenha optado pela expressão “o Filho de Deus”, dando à
expressão o sentido definido, a nota de rodapé reconheceu outras
possibilidades, ao rezar: “Ou ‘um filho de Deus’; ou: ‘um filho de um deus’.”
Além disso,
Harner afirmou que 11 casos poderiam ser definidos, mas que não existem claras
indicações disso.[5] Causa admiração que tal estudioso tenha alistado
entre tais casos o texto de João 6:70. Falando de Judas Iscariotes, Jesus
declarou:
ἐξ ὑμῶν εἷς διάβολός ἐστιν
Ex
hymôn heîs diábolós estin
De vós um diabo
é
Afirmar que o
substantivo anartro diábolos (diabo) pode ser definido é admitir a
possibilidade de Jesus ter identificado Judas como sendo a criatura espiritual
que ficou conhecida como Satanás, o Diabo!
O fato é que a gramática tem suas limitações. Ela pode determinar sujeito, predicado, caso, gênero, número, etc. Mas a gramática não pode determinar o sentido definido, indefinido ou qualitativo de uma sentença. Mesmo o padrão de estrutura de sentença, estabelecido pelo uso preponderante do escritor bíblico, não é determinativo quanto a estabelecer a tradução correta. Afinal, existem exceções à regra. Assim como um escritor neotestamentário usou uma exceção em determinada passagem, ele pode ter feito o mesmo num determinado versículo em questão.
O fato é que a gramática tem suas limitações. Ela pode determinar sujeito, predicado, caso, gênero, número, etc. Mas a gramática não pode determinar o sentido definido, indefinido ou qualitativo de uma sentença. Mesmo o padrão de estrutura de sentença, estabelecido pelo uso preponderante do escritor bíblico, não é determinativo quanto a estabelecer a tradução correta. Afinal, existem exceções à regra. Assim como um escritor neotestamentário usou uma exceção em determinada passagem, ele pode ter feito o mesmo num determinado versículo em questão.
Uma vez que a
gramática não pode determinar o sentido (definido, indefinido ou qualitativo)
em João 1:1c, perguntamos:
É biblicamente incorreta a tradução “um deus”?
Muitos
trinitaristas não aceitam a tradução indefinida de théos em tal cláusula joanina porque isso
faria do Filho um deus menor em relação ao Pai. No entanto, isso demonstra
desconsideração do uso bíblico do termo “deus”.
Além de
aplicar tal termo justificadamente a Jeová, por Ele ser Supremo e
Todo-Poderoso, e pejorativamente a deuses falsos, por estes serem idolatrados,
a Bíblia aplica o termo “deus” em sentido positivo aos representantes do Deus
Todo-Poderoso que gozam de poder e autoridade conferidos por ele. Jeová disse a
Moisés que ele deveria servir de “Deus” para Arão e para Faraó. (Êxodo 4:16;
7:1) Isto não tornava Moisés o Deus Todo-Poderoso, nem alguém a ser adorado,
mas sim o representante Dele.
Outro senido
do termo “deus” é encontrado no Salmo 8:5, onde os anjos são mencionados como
“deuses”. (Hebreus 2:6-8) Além de serem poderosos e representantes do Deus
Todo-Poderoso, os anjos também são seres divinos, pertencentes à classe de elohim. Eles são mencionados como sendo
“filhos de Deus” (hebraico: beneí
há-Elohím), em Jó 2:1 e 38:7. Isto denota que são da classe de elohim, assim como os “filhos
dos profetas” são “pessoas pertencentes à corporação dos profetas”. (1 Reis
10:35; Amós 7:14; veja Gramática
Hebraica de Gesenius, p. 418 § 2.) O Dicionário
dos Livros do Velho Testamento (em
inglês), de Koehler e Baumgartner, diz: “BENEI ELOHIM (individuais) seres
divinos, deuses.”[6] Por isso, no Salmo 8:5, a expressão elohim é traduzida “anjos” na Septuaginta.[7]
Assim, além
de se referir a Jeová como "Deus" num sentido absoluto e exclusivo, a
Bíblia também faz uso do termo “deus”, em sentido positivo, para referir-se a
alguém (1) poderoso, (2) que é representante do Deus Altíssimo, e/ou (3) que
tem natureza divina. Tendo em vista que Jesus Cristo é poderoso, é o maior
representante de Deus e é um ser com natureza divina, com muito mais autoridade
ele pode ser aludido como “deus” sem ser, contudo, o Deus Todo-Poderoso. Assim,
a tradução “um deus” não é biblicamente incorreta.
Uma tradução qualitativa do texto faz diferença em sentido doutrinal?
A conclusão a
que Harner chegou de seu estudo sobre o uso dos substantivos anartros, em
relação a João 1:1c, foi a seguinte: “Talvez a cláusula poderia
ser traduzida ‘o Verbo tinha a mesma natureza de Deus.’ Esta
seria uma forma de representar o pensamento de João, que é,
como eu o entendo, que o Logos não é menos do que ho theós e tinha a natureza de theós.”
Bem, uma
coisa é admitir que o Logos (a Palavra, ou o Verbo) tinha a “natureza de theós”. Outra coisa é deduzir
disso que o Logos “não é menos do que ho
theós [o Deus]”. A Bíblia apresenta um indisputável quadro de
subordinação e inferioridade do Filho em relação ao Pai. – Veja o artigo “A Trindade é ensinada no ‘Novo Testamento’?”
neste blog.
Portanto,
qualificar a Palavra como “divina” não implica em
coigualdade – apenas ressalta sua natureza, do mesmo modo que
qualificar alguém como “humano” não o torna coigual a outro humano; apenas
destaca a sua natureza. No entanto, a tradução indefinida ("um deus")
preserva a palavra usada no texto – theós (deus); a palavra
“divino” é theíos. Ademais, a tradução “um deus” destaca tanto
a natureza como a individualidade da Palavra, sendo, portanto, semanticamente
mais abrangente. Assim, a tradução “um deus” é gramaticalmente correta, é
textualmente preservativa, é contextualmente certa e biblicamente exata.
Notas de
rodapé:
[1] Predicativo
Nominativo Anartro Pré-Verbal.
[2] A
fórmula tradicional da doutrina da Trindade afirma que o Pai e o Filho são
pessoas distintas.
[3] Estes
são: João 1:12; 6:70; 8:33, 34, 37, 39; 9:17; 12:50; 13:35; 15:14; 17:17.
[4] “Substantivos Predicativos Anartros Qualificativos: Marcos 15:39 e João 1:1”, p. 81.
[4] “Substantivos Predicativos Anartros Qualificativos: Marcos 15:39 e João 1:1”, p. 81.
[6] Página
134, coluna 1, linhas 12 e 13, edição de 1951.
[7] A tradução de Almeida, Revista e
Corrigida, traduz por “anjos”, e coloca a seguinte nota de rodapé: “Ou, Deus.
Heb Elohim.” No entanto, nessa passagem elohim está no plural numérico
(“deuses”), sendo traduzido na NM por “os semelhantes a Deus”.
A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, publicada pelas Testemunhas de
Jeová.
Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a
fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários
=)
אֱמֶ (’eméth ) [Verdade]
לַשָּׁ֑ (šā·qer;)ou יְכַזֵּ֑ב (ka·zév)[ inveracidade ; Mentira]
De qualquer forma continue com o seu bom Trabalho em defender a verdade bíblica. — 1 Pedro 3:15.
Abração
Pedras que clamam
https://sites.google.com/site/atestemunhadejeova
traducaodonovomundodefendida.blogspot.com
traducaodonovomundodefendida.wordpress.com
Um grande abraço!