A lei do sábado era uma “lei natural”?
Os estudiosos do Direito costumam
distinguir entre Direito natural e Direito positivo, este último consistindo
nas leis naturais expressas em uma legislação humana. No caso do Brasil, a
título de exemplo, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, possui
cláusulas pétreas (normas que não podem sofrer emendas por serem imutáveis),
que na realidade expressam leis naturais positivadas (colocadas em uma
legislação humana).
O caput desse artigo reza:
“Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].”
Note que se menciona o “direito à
vida”.
No caso envolvendo a morte de
Abel pelo seu irmão Caim, a lei natural já evocava a proteção à vida por esta
ser sagrada (ter vindo de Deus, sua Fonte). (Salmo 36:9) Tanto que havia uma
árvore da vida no Jardim do Éden, e comer do fruto dela seria indicação do
prêmio de se viver para sempre, caso o primeiro casal humano, Adão e Eva, tivesse
demonstrado fidelidade. (Gênesis 2:9; 3:22-24) Deus colocou em nosso íntimo
essa lei. Assim, ninguém, em sã consciência, e em boa índole, atenta contra a
vida – a sua própria ou a de outrem.
A lei natural da santidade da
vida foi ressaltada após o Dilúvio, no século XXIV a.C. (Gênesis 9:5, 6) e
incluída como mandamento na Lei dada a Israel após a saída daquele povo da
terra do Egito, no século XVI a.C.. (Êxodo 20:13; 21:12) No caso do Decálogo,
tanto a lei natural do direito à vida quanto o mandamento escrito “não deves
assassinar” são de Jeová Deus. No entanto, a lei natural do direito à vida
surge com a existência do ser humano, ao passo que a lei que expressa por
escrito tal lei natural foi dada a Israel após a saída do Egito junto com
outras nove leis, que por sua vez faziam parte de um código escrito, ou
constituição, de mais de 600 leis.
Acontece que o mandamento do
sábado semanal não era nem nunca foi uma lei natural. Se assim fosse, outros
povos o guardariam sem qualquer lei escrita, assim como guardaram e guardam a
lei natural do direito à vida. Ou seja, em geral os povos mantiveram e mantêm
leis que asseguram o respeito à vida, por esta ser um direito natural, escrita
por Deus nos corações dos humanos. Mesmo povos sem leis escritas, cujas leis
são consuetudinárias (baseadas em costumes) reconhecem o direito à vida. Mas
eles não possuem nos corações nenhuma lei natural para guardar um sábado
semanal.
Lei do
sábado – a concreção de um princípio abstrato
Podemos abstrair da lei da guarda
do sábado semanal o princípio de que devemos priorizar assuntos espirituais,
reservando tempo para assuntos espirituais. Esse princípio é válido em qualquer
época. Embora antes de Israel sair do Egito não houvesse nenhuma lei para
guardar um dia especifico da semana, os fiéis patriarcas antes de Israel também
tiravam tempo para coisas espirituais, como se pode inferir de Gênesis 12:7, 8
e de Gênesis 18:19, devido a esse princípio de que Jeová merece a
primazia.
Mas, a partir da saída dos
israelitas do Egito, no século XVI antes de Cristo, esse princípio foi
transformado numa lei concreta: reservar o sétimo dia da semana para atividades
espirituais. (Êxodo, cap. 16) Tratava-se se um princípio abstrato aplicado a um
caso concreto – ao povo de Deus dentro de uma época e de circunstâncias
específicas. Quais seriam essas circunstâncias?
Eles estariam alojados em um
território delimitado, com soberania própria, vivendo sob um conjunto de leis
dadas por Deus. Nessas circunstâncias, o sábado semanal era um feriado nacional
obrigatório e adequadamente observável. Era perfeitamente exequível o descanso
desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado.
Mas essa concreção – ou aplicação
concreta – do princípio de reservar tempo para assuntos espirituais não seria
aplicável em todos os locais do planeta.
Por exemplo, ao norte
do Círculo Polar Ártico e ao sul do Círculo Polar Antártico
ocorre o fenômeno natural conhecido como “sol da meia-noite”, onde o Sol é
visível por 24 horas do dia, nas datas próximas ao solstício[1]
de verão. Os Círculos Polares recebem insolação de 24 horas num dos solstícios
(21 de dezembro para o Antártico e 21 de junho para o Ártico). Caso esse
fenômeno ocorresse numa sexta-feira não haveria um pôr do sol para delimitar o
início do sábado.
FOTO N.º 1: Sol da meia-noite
Fonte: http://meioambiente.culturamix.com/gestao-ambiental/sol-da-meia-noite-o-fenomeno-dos-polos
FOTO N.º 2: Sol da meia-noite
Fonte: http://meioambiente.culturamix.com/gestao-ambiental/sol-da-meia-noite-o-fenomeno-dos-polos
No polo ocorre o caso extremo, em
que cada um dos períodos dura seis meses. Lá há extremos de visibilidade do Sol
por até seis meses e igual período sem vê-lo. Obviamente, não há um sábado
semanal – ou qualquer outro dia da semana – demarcado pelo sol nesse período.
Tudo isso demonstra que a Lei
dada a Israel com seu sábado semanal era para um povo específico[2],
para uma época específica e para uma situação
específica. Não é possível desvincular, ou abstrair, a lei do sábado
de sua temporalidade e historicidade.
Insistir na guarda do sábado após
o estabelecimento do cristianismo tornaria tal lei uma lei anacrônica. A
partir do momento em que uma lei se revela anacrônica, ela se torna incapaz de
atender às novas exigências. Com o estabelecimento do cristianismo, a Lei dada
a Israel como um todo deixou de vigorar.
Notas:
[1]
Astronomia: cada uma das duas datas do ano em que o Sol atinge o maior
grau de afastamento angular do equador, no seu aparente movimento no céu, e que
são 21 ou 23 de junho (solstício de inverno no hemisfério sul e de verão, no
hemisfério norte) e 21 ou 23 de dezembro (solstício de verão no hemisfério sul
e de inverno, no hemisfério norte). – Disponível em: < https://www.google.com.br/#q=solst%C3%ADcio+significado>.
[2] Obviamente,
os que queriam adorar a Jeová no tempo em que a Lei vigorava convertiam-se à
religião judaica e passavam a observar tal Lei. – Isaías 56:6, 7.
A
menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do
Novo Mundo das Escrituras Sagradas, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
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